O Cineclube de Amarante voltou à acção! E ainda bem! Que saudades tinha de ir a correr meter-me no carro com a minha irmã e tentar chegar em 2 minutos ao cinema, estacionar e correr para a quase vazia bilheteira (há quem não saiba aproveitar as oportunidades!), e depois entrar para a "antecâmara" da sala de cinema, onde nos são disponibilizadas informações várias sobre a película! Gostoso mesmo!
Hoje o filme tinha como título Climas. Ia com algumas expectativas, aguçadas pelo blog Tretas & Letras, e devo dizer que o filme é mais profundo do que parece, muito mais! Aparentemente, podemos resumir em poucas linhas a história do filme. É uma história sobre a relação amorosa de um homem, mais velho (Isa), com uma mulher (Bahar), mais nova.
O filme vale muito mais pelas imagens, pelas expressões, pelos olhares, pelo que não é dito, do que pelas palavras que são proferidas. Umas das cenas iniciais é sintomática disso: através de um grande plano de Bahar vemos a mudança da sua expressão, até ao escorrer duma lágrima. Uma imagem longa, profunda, enigmática logo ao início, e exigente. Neste filme a câmara não tem medo de focar os actores descaradamente, de os tentar despir, de lhes tentar entrar na alma, de nos fazer penetrar na personagem, de nos interrogarmos sobre a relação deles, sobre as nossas relações.
Um reencontro ocasional de Isa com Guven (um conhecido), o olhar comprometedor de Serap (companheira de Guven), dirigido para os seus sapatos bicudos, um cumprimentar aparentemente desinteressado, uma desculpa (de Isa) para negar um copo (com Guven) porque vai ter com uma pessoa... indícios que me fizeram logo deduzir que Isa ia ter com Serap. Ele entra em casa dela, pede uma bebida, ela sabe o que ele pensa, ele sabe o que ela pensa, o que ela quer, ou pelo menos pensa que sabe, ele deixa cair a sua cabeça no colo dela, depois sobe e beija-a, ela nega, ele agarra-a, e ela tenta soltar-se, ele tenta dominá-la, ela esbraceja, ele não desiste, arranca-lhe a camisola, ela puxa-lhe os cabelos, como a tentar soltar-se, mas parece também como que a puxá-lo para ela, quer e não quer, eles varrem a sala, ela continua a tentar soltar-se até que sente a inevitabilidade da situação, cede-lhe, cede ao que quer e reprime. Ele desde logo lhe disse, tu abriste-me a porta, se quiseres, vou embora. E ela não quis! Ele era a tentação, ele despertava-lhe ferocidade, ela era a tempestade para ele, a ferocidade de um furacão! Esta cena (longa) destoa da lentidão do resto do filme! A sua brutalidade parecerá excessiva ao espectador... Talvez sim, mas ela explica o por quê da relação entre Isa e Bahar não dar resultado, nesta cena vemos quem é Isa, vemos que Bahar (afinal) não era a implicativa, a mulher mimada, vemos a diferença de 2 mundos!
Bahar era a ingenuidade, a juventude, a calma, os sonhos, o futuro calmo em aberto numa praia paradisíaca! Serap era a tempestade, de um vento incontrolável, de uma adrenalina que sobe o corpo e domina a alma, um desafio, um conhecer de limites. Ela significava o viver no limite! Mas para Serap, no fundo, Isa podia ser um sólida relação futura, mas ela não o admitiria a Isa. Serap ri-se muito no filme, ri-se daquele homem que a domina, ri-se, acho eu, porque o conhece e escarnece da sua fragilidade, pela falta que lhe faz Bahar. E o homem que a dominou, corre para casa dela quando ela lhe liga para o telemóvel e se ri, como um demónio que o atrai, que o afasta de Bahar. E a cena seguinte é de uma subtileza, duma crueza, duma realidade que me espantou: o olhar dela para ele, ela colocada na ponta do sofá, ele na outra ponta, ela meneia-se, dá-lhe primeiro sinais subtis, depois coloca-lhe a perna decidida sobre as pernas dele... Ela agora domina, ela agora sabe das fragilidades dele, ela agora sabe que Isa e Bahar acabaram!
Onde passar férias? Uma foto dum sítio paradisíaco assemelha-se às férias de verão que passou com Bahar. Não tem sentido ir para um sítio assim sem ela, aquela imagem põe a nu aquilo que ele ainda poderia duvidar. Soube informações dela pela Serap, dirige-se para Leste, onde grandes nevões cobrem a paisagem, não desiste, encontra-a, tomam chá, ele dá-lhe fotos do Verão passado e um presente, ela tem de se ir embora, diz não ter tempo para estar com ele, finge esquecer-se das fotos e da prenda. Ele, contudo, volta a tentar, e vê-a a chorar na carrinha da equipa da gravação. Chora por eles, chora por este voltar a vê-lo, que lhe abriu uma ferida ainda não sarada, chora porque quer voltar para ele, mas não pode, não deve. Ele diz, primeiro, que mudou, depois já diz, eu sinto que posso mudar, quero casar, ter filhos, quero ter uma vida contigo... Ela faz-lhe uma única pergunta, pede sinceridade, "neste tempo estiveste alguma vez com Serap?" E ele responde não! Mente! Ela diz-lhe para ele se ir embora... ele vai... compra o bilhete para voltar a Istambul... Quando, à noite, dorme no seu quarto, alguém bate à porta, é Bahar. Entra, o diálogo entre eles é o do olhar, o do tacto, o odor, os gestos conhecidos e (re)conhecidos. Como uma menina confusa, ela deita-se na cama na posição de feto, quer pensar que todo o desentendimento foi um pesadelo... Adormece e sonha com um sol radiante, com prados verdes, e ao contar o seu sonho a Isa sorri, um sorriso ingénuo, de uma criança que vê alguma esperança, um sorriso cristalino, que contrasta com a expressão fechada dele. Ela está a dar-lhe um sinal, um sinal que, apesar de ter dúvidas quanto à resposta que ele dá à sua pergunta sobre Serap (ou então sabe que ele esteve com ela, mas prefere acreditar que não), está disposta a tentar de novo! Ele percebe o intuito dela (devo dizer que esta é uma forma muito feminina de dizer as coisas!) Ele fala-lhe do horário que ela tem de cumprir e que ele tem de apanhar o avião. E, o seu olhar esmorece, os seus olhos caiem aos poucos, volta a nevar no seu sonho de sol radioso.
Ela vai para as gravações, e um avião ( avião de Isa) corta os céus ruidosamente. Ela acompanha o seu percurso, mas depois baixa os olhos em direcção ao horizonte, mas não olha para o sítio das gravações, parece-me. A sua expressão vai-se contraindo, e uma lágrima, como no início do filme, escorre-lhe pela face.
Fica a dúvida: terá ido Isa para Istambul e a relação deles acabado, ou estará Isa no horizonte de Bahar? Talvez a solução esteja em aberto: que final daríamos a uma relação como aquela? E se Isa fica, a repetição da cena da lágrima não sugerirá o recomeço duma relação com um fim sem fim?
Um filme que nos faz pensar sobre as nossas relações (amorosas), em como apostamos em algo que pode não valer a pena, e nós sabemos isso, mas insistimos, um filme em que 2 tipos de relacionamentos conflituam, um filme que sublinha a importância do olhar!
Um filme cujo personagem principal não gostamos, e que queremos que ele tenha partido no avião!
E mal posso esperar pelos filmes seguintes:
Zodíaco
À Prova de Morte
Lady Chatterley
:D
Hoje o filme tinha como título Climas. Ia com algumas expectativas, aguçadas pelo blog Tretas & Letras, e devo dizer que o filme é mais profundo do que parece, muito mais! Aparentemente, podemos resumir em poucas linhas a história do filme. É uma história sobre a relação amorosa de um homem, mais velho (Isa), com uma mulher (Bahar), mais nova.
O filme vale muito mais pelas imagens, pelas expressões, pelos olhares, pelo que não é dito, do que pelas palavras que são proferidas. Umas das cenas iniciais é sintomática disso: através de um grande plano de Bahar vemos a mudança da sua expressão, até ao escorrer duma lágrima. Uma imagem longa, profunda, enigmática logo ao início, e exigente. Neste filme a câmara não tem medo de focar os actores descaradamente, de os tentar despir, de lhes tentar entrar na alma, de nos fazer penetrar na personagem, de nos interrogarmos sobre a relação deles, sobre as nossas relações.
Um reencontro ocasional de Isa com Guven (um conhecido), o olhar comprometedor de Serap (companheira de Guven), dirigido para os seus sapatos bicudos, um cumprimentar aparentemente desinteressado, uma desculpa (de Isa) para negar um copo (com Guven) porque vai ter com uma pessoa... indícios que me fizeram logo deduzir que Isa ia ter com Serap. Ele entra em casa dela, pede uma bebida, ela sabe o que ele pensa, ele sabe o que ela pensa, o que ela quer, ou pelo menos pensa que sabe, ele deixa cair a sua cabeça no colo dela, depois sobe e beija-a, ela nega, ele agarra-a, e ela tenta soltar-se, ele tenta dominá-la, ela esbraceja, ele não desiste, arranca-lhe a camisola, ela puxa-lhe os cabelos, como a tentar soltar-se, mas parece também como que a puxá-lo para ela, quer e não quer, eles varrem a sala, ela continua a tentar soltar-se até que sente a inevitabilidade da situação, cede-lhe, cede ao que quer e reprime. Ele desde logo lhe disse, tu abriste-me a porta, se quiseres, vou embora. E ela não quis! Ele era a tentação, ele despertava-lhe ferocidade, ela era a tempestade para ele, a ferocidade de um furacão! Esta cena (longa) destoa da lentidão do resto do filme! A sua brutalidade parecerá excessiva ao espectador... Talvez sim, mas ela explica o por quê da relação entre Isa e Bahar não dar resultado, nesta cena vemos quem é Isa, vemos que Bahar (afinal) não era a implicativa, a mulher mimada, vemos a diferença de 2 mundos!
Bahar era a ingenuidade, a juventude, a calma, os sonhos, o futuro calmo em aberto numa praia paradisíaca! Serap era a tempestade, de um vento incontrolável, de uma adrenalina que sobe o corpo e domina a alma, um desafio, um conhecer de limites. Ela significava o viver no limite! Mas para Serap, no fundo, Isa podia ser um sólida relação futura, mas ela não o admitiria a Isa. Serap ri-se muito no filme, ri-se daquele homem que a domina, ri-se, acho eu, porque o conhece e escarnece da sua fragilidade, pela falta que lhe faz Bahar. E o homem que a dominou, corre para casa dela quando ela lhe liga para o telemóvel e se ri, como um demónio que o atrai, que o afasta de Bahar. E a cena seguinte é de uma subtileza, duma crueza, duma realidade que me espantou: o olhar dela para ele, ela colocada na ponta do sofá, ele na outra ponta, ela meneia-se, dá-lhe primeiro sinais subtis, depois coloca-lhe a perna decidida sobre as pernas dele... Ela agora domina, ela agora sabe das fragilidades dele, ela agora sabe que Isa e Bahar acabaram!
Onde passar férias? Uma foto dum sítio paradisíaco assemelha-se às férias de verão que passou com Bahar. Não tem sentido ir para um sítio assim sem ela, aquela imagem põe a nu aquilo que ele ainda poderia duvidar. Soube informações dela pela Serap, dirige-se para Leste, onde grandes nevões cobrem a paisagem, não desiste, encontra-a, tomam chá, ele dá-lhe fotos do Verão passado e um presente, ela tem de se ir embora, diz não ter tempo para estar com ele, finge esquecer-se das fotos e da prenda. Ele, contudo, volta a tentar, e vê-a a chorar na carrinha da equipa da gravação. Chora por eles, chora por este voltar a vê-lo, que lhe abriu uma ferida ainda não sarada, chora porque quer voltar para ele, mas não pode, não deve. Ele diz, primeiro, que mudou, depois já diz, eu sinto que posso mudar, quero casar, ter filhos, quero ter uma vida contigo... Ela faz-lhe uma única pergunta, pede sinceridade, "neste tempo estiveste alguma vez com Serap?" E ele responde não! Mente! Ela diz-lhe para ele se ir embora... ele vai... compra o bilhete para voltar a Istambul... Quando, à noite, dorme no seu quarto, alguém bate à porta, é Bahar. Entra, o diálogo entre eles é o do olhar, o do tacto, o odor, os gestos conhecidos e (re)conhecidos. Como uma menina confusa, ela deita-se na cama na posição de feto, quer pensar que todo o desentendimento foi um pesadelo... Adormece e sonha com um sol radiante, com prados verdes, e ao contar o seu sonho a Isa sorri, um sorriso ingénuo, de uma criança que vê alguma esperança, um sorriso cristalino, que contrasta com a expressão fechada dele. Ela está a dar-lhe um sinal, um sinal que, apesar de ter dúvidas quanto à resposta que ele dá à sua pergunta sobre Serap (ou então sabe que ele esteve com ela, mas prefere acreditar que não), está disposta a tentar de novo! Ele percebe o intuito dela (devo dizer que esta é uma forma muito feminina de dizer as coisas!) Ele fala-lhe do horário que ela tem de cumprir e que ele tem de apanhar o avião. E, o seu olhar esmorece, os seus olhos caiem aos poucos, volta a nevar no seu sonho de sol radioso.
Ela vai para as gravações, e um avião ( avião de Isa) corta os céus ruidosamente. Ela acompanha o seu percurso, mas depois baixa os olhos em direcção ao horizonte, mas não olha para o sítio das gravações, parece-me. A sua expressão vai-se contraindo, e uma lágrima, como no início do filme, escorre-lhe pela face.
Fica a dúvida: terá ido Isa para Istambul e a relação deles acabado, ou estará Isa no horizonte de Bahar? Talvez a solução esteja em aberto: que final daríamos a uma relação como aquela? E se Isa fica, a repetição da cena da lágrima não sugerirá o recomeço duma relação com um fim sem fim?
Um filme que nos faz pensar sobre as nossas relações (amorosas), em como apostamos em algo que pode não valer a pena, e nós sabemos isso, mas insistimos, um filme em que 2 tipos de relacionamentos conflituam, um filme que sublinha a importância do olhar!
Um filme cujo personagem principal não gostamos, e que queremos que ele tenha partido no avião!
E mal posso esperar pelos filmes seguintes:
Zodíaco
À Prova de Morte
Lady Chatterley
:D
2 comentários:
Zodíaco é bom, recomendo.
Bem, a white castle gostou mesmo do filme
Que belo post, este que "Climas" inspirou! Soube-me muito bem lê-lo e através dele, "rever" o filme!
Também eu, como disse no T&L, gostei muito!
ah... para mim, ele foi no avião!
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