sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Palavras e Sangue, de Papini

"Eu era para ela o Universo, ao passo que ela, para mim, não passava de uma curiosidade.
O seu amor, porém, chegou a ser tão grande que o meu não pôde durar. Tenho tanto desprezo por mim próprio que não posso adaptar-me ao papel de ídolo. Irritava-me aquela apaixonada veneração que a todo o momento sentia em torno de mim. Saber que cada um dos meus actos era espiado, recordado, engrandecido, com todos os seus pormenores: que cada palavra minha era escutada, anotada, repetida, comentada e que toda a minha vida era, para outro ser, um espectáculo, ainda que fosse de glória, humilhava-me. Quero existir para mim, viver para mim; não quero que ninguém entre na minha vida, ainda que seja vestido de escravo."

1 comentário:

Duarte disse...

Texto bonito sem dúvida. E que me fez lembrar um filme com um tema parecido, chamado "Some came running", em que uma prostituta se perde de amores por um ex-soldado que volta à sua terra. Embora ele não lhe ligue nenhuma, ela tudo faz por ele, humilhando-se em todas as pequenas coisas da vida. E no fim oferece-lhe a prova de amor total: coloca-se entre a bala que o iria matar e o corpo dele. Um filme com uma história fascinante, onde se descobre que por baixo de seres frágeis e socialmente marcados há por vezes uma nobreza imensa que se revela nas pequenas atitudes e percepções da realidade.
Custa-me também entender como há pessoas que se fecham como conchas e não deixam os outros entrar nas suas vidas. Não deixam que as pequenas coisas especiais de cada momento e outras pessoas e outras ideias e ideais façam ricochete em carapaças duras.