quarta-feira, 30 de maio de 2007

E um livro se fechou...




Estava grávida! Era um milagre que lhe tinha sido negado pela ciência após um aborto passado (espontâneo ou provocado, não se sabe), como se o seu corpo negasse a divisão, e a culpasse por esse acontecimento. Não esperava poder jamais ter essa alegria, poder tocar a sua barriga e sentir um ser pequenino a crescer dentro dela, ter de o proteger do mundo cá de fora, cantar para ele, embalá-lo com histórias belas, empaturrá-lo de mimos. Tinha sido mãe jovem, e agora adulta encorpada, sem poder sequer ter ambições, tinha ganho o privilégio de poder voltar a ser mãe! Era um milagre, um presente divino que a fez sorrir para o mundo e pelo qual estava a disposta a lutar contra todos e contra tudo! Não abdicaria dele…

A descoberta deste presente foi pessoal, num quartinho pintado de cor de rosa pelos seus sonhos, em que bailavam sorrisos, olhos lacrimejantes, roupinhas pequeninas e tão bonitinhas, berços, papas, guizos, escola, faculdade… Tudo ela tinha construído naquele momento, em que o seu coração cresceu, em que o mundo lhe pareceu definitivamente um sítio de esperança, onde tanto podia (ainda) fazer! Ergueu-se gigante, decidida! Mas…

O seu companheiro não aceitava a criança, atirou-lhe à mente a culpabilidade do suposto não poder engravidar! Aquela criança tão inesperada e, por isso, tão mais desejada, era um entrave, um obstáculo, um infortúnio, um azar, fruto de uma mentira médica! Não, não queria e não assumia a criança! Não a queria, como se ela fosse um objecto que facilmente se pode deitar ao lixo! Empalideceu, sentiu-se enfraquecer, teve medo, pelo seu bebé, seu só seu, naquele momento. Apertou forte o seu seio e, naquele momento, prometeu solenemente protegê-lo! Serás feliz, serás amado!

Largou o emprego onde trabalhava há 10 anos, e onde estava constantemente com o seu “companheiro”. Saiu de “sua” casa. Largou uma relação. Largou a sua terra. Partiu, buscando conforto na casa de sua filha, mãe também jovem, casada com os seus juvenis 19 anos. Foi recebida de braços abertos, seria uma companhia para a filha e, junto ao neto, esperaria, descansadamente, afastada da maldade, o seu filho-milagre. Não parava de sorrir, tirava muitas fotografias para lembrar este momento. Tinha todos os cuidados e mais alguns, como se de um copo de cristal frágil se tratasse. Escrupulosamente seguia todas as prescrições médicas.

Estava muito grávida, orgulhosamente pensava! Teve de se dirigir ao centro médico para uma ecografia. Como adorava estes momentos, em que via o seu bebé, o seu pequenino rebento, em que se embevecia pelo pulsar do seu coraçaozinho. E como se abrilhantaram os seus olhos quando o médico lhe disse que tudo estava bem, que podia ir descansada e passear pela cidade como tanto gostava de fazer depois destas visitas periódicas. Costumava sentar-se nos jardins, ver as pessoas passaram, olhar para os pais com as suas crianças, falar com as pessoas que a cumprimentavam e lhe perguntavam como estava a correr! Tinha rejuvenescido tanto! Sentia-se revigorada! Sentia que o mundo era novo! Sentia que estava a virar a página! E nesses momentos respirava fundo, muito fundo e depois, já tarde, ia para o seu lar…

Nesse dia, dirigia-se para a cidade, a pé, na berma da estrada, com os seus olhinhos a brilhar, com uma barriga pesada, mas que lhe tinha tornado tão leve a sua mente. Era uma recta no meio duma localidade, onde os carros passavam calmamente, adormecidos por uma tarde quente. Ia com cuidado, afastada do asfalto, como podia e devia. E…

Um carro, a grande velocidade, entontecido pela bebida, embate nela, fustiga-a, empurra-a e ela sente que já não pode proteger o seu bebé, o seu amado bebé! Sente o sangue, toca na barriga, cai em cima dela, como tentando protegê-la pela última vez. Sente-se morrer e sente morrer o que mais tinha querido nestes últimos tempos. Sente que a esperança morreu. Sente que o virar da página é a morte…

Uma senhora pára o seu carro! Foi lá atrás ultrapassada por aquele carro e viu o ziguezaguear mortal daquele carro e a fugida do mesmo para o horizonte! Felizmente tinha consigo o telemóvel, pediu socorro, mas só via sangue, e sentia uma revolta imensa, acentuada pela dor de também ser mãe.

A filha foi avisada por vizinhos. Correu para o hospital. Sucumbiu perante a morte da mãe, mas o agora seu bebé tinha sobrevivido! O milagre milagrosamente tinha sobrevivido! E ela trataria dele como seu filho e seria tão acarinhado, quanto foi amado na barriga da sua mamã assassinada. Contudo…

O bebé só sobreviveu um dia, a filha voltou a sucumbir, o seu coração rompeu-se em lágrimas…

A implacabilidade desta morte insensível, da qual a mãe tentou tanto salvar o seu bebezinho, conseguiu derrotá-la! Escarneceu dela, deu esperança à sua filha de ao menos ficar com o seu rebento-irmão! Ao tentar salvá-lo(s), jazeu morta num asfalto quente e respirou o pó da terra… O seu bebé não resistiu, quiçá não conseguiu conceber a sua vida sem o ente que mais o desejou…

A morte escreve “certo” por linhas tortas! Um trajecto enviesado matou um sonho e fechou um livro que tinha tanto para dar…

E faltavam 10 dias para dar à luz!


(Este texto é baseado nos depoimentos da filha e da senhora que socorreu a mãe grávida e que foi atropelada na berma da estrada por um condutor a alta velocidade, em 12 de Abril deste ano, em Almancil, prestados no programa “As tardes da Júlia”, no dia 29 de Maio).

terça-feira, 29 de maio de 2007

Dia Europeu do Vizinho

Muito boas tardes:

Hoje, dia 29 de Maio, é o Dia Europeu dos Vizinhos!

Dia engraçado e cujo tema levanta algumas questões sociológicas (tanto levanta, que numa pesquisa breve pelo google sobre este dia, encontrei referência a um estudo que envolve a temática da vizinhança - dn.sapo.pt/2006/05/30/cidades/somos_bons_vi...ns_vizinhos.html ).

Da mesma pesquisa encontrei 2 blogs:

www.vizinhos.blogspot.com (Movimento de vizinhos do Centro de Lisboa) - o que não deixa de ter a sua piada, sendo em Lisboa, e sendo a net um motor de vizinhança.

www.vizinho.blogspot.com


Para quem pense que esta iniciativa não teve concretizações, diga-se que no Bairro de Chelas, se a memória não me atraiçoa, vai-se realizar um churrasco entre vizinhos!

Para mais informações sobre este dia : www.vizinhos.eu


Por último, deixo cumprimentos a todos os meus vizinhos blogosféricos ;) Não vos peço nem açúcar, nem salsa, nem um ovo, pelas razões óbvias, peço-vos, ao invés, que continuem a frequentar o meu humilde lar tricolor!




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segunda-feira, 28 de maio de 2007

Tempo...



Estava eu a folhear a revista "Notícias Magazine", quando me deparo com uma frase de Bertrand Russel, com grande destaque, na página 18:
"O tempo que gostas de perder
não é tempo perdido."
Grande Frase!
E será que esse tempo se perde, de facto? O que é perder tempo?







E agora, vou continuar a "ganhar" o meu tempo! ;)






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domingo, 27 de maio de 2007

Memórias... O olhar...

Comecei a manhã a escrevinhar memórias...
Essas memórias conduziram-me à estante do escritório e obrigaram-me a retirar uma prenda do ano passado, que guardo com muito carinho: Fernando Pessoa - Poesia: 1902-1917, da Assírio & Alvim ! Comecei a folhear, a folhear, a ler, a ler, procurando um poema escrito neste dia 27 de Maio, mas não encontrei... Todavia, houve um que gostei particularmente e que ainda não tinha lido. Na sequência do post Black Coffee, acho que se entende ( "E ninguém tinha um olhar enevoado"):

DEIXA que o meu olhar desça
Ao fundo da tua alma;
Que olhando-te, te conheça
E saiba o que há sob a calma
Do teu ser visto tão suave
Como o voar de uma ave.

Deixa que eu olhe os teus olhos
E os fite até os não ver
Mas só perceber
Uma alma à vista nascer
E eu ver-te os sentimentos
Nos meus atentos.

21-8-1910



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E há olhares em que apetece mergulhar, nadar a até afogar.... E perder o norte, num sentido encontrado... Por que hesitamos?

sábado, 26 de maio de 2007

A Pessoa, Máscaras e as cebolas do Shrek…




“Careful not to fall, I have to climb your wall [...]”
Placebo



A etimologia diz, de facto, bastante sobre a essência das coisas. Na verdade, é uma forma de obter um conhecimento mais hermenêutico sobre algo. Veja-se como exemplo a etimologia do vocábulo pessoa: segundo Cabral de Moncada, pessoa (persona), significaria a máscara ou caraça que os actores punham na cara em cena para disfarçarem a voz (personare). Com efeito, no âmbito do Direito Romano só a alguns homens era concedida a máscara, ou seja, só alguns eram personagens ou pessoas, exemplificando, os escravos estavam privados de personalidade.

De facto, quem somos nós? Quem é o reflexo do espelho? E quem é a pessoa da nossa fotografia de passe? Uma situação sintomática desta dúvida encontramos numa cena cortada do filme Residência Espanhola, em que Xavier tira umas fotos de passe numa máquina instantânea e perante o resultado final não acha que seja nenhuma daquelas “pessoas”.
Poderemos alegar que a foto é a aparência do nosso ser, mas, nós não nos devíamos ver sem aparência, ou seja, não nos devíamos identificar automaticamente? Contudo, o que realmente acontece é que nunca nos identificamos automaticamente. E isto por que razão? Porque a ideia que nós temos de nós é distorcida por essa própria ideia que temos de nós, pelo que nós aparentamos a nós próprios. Esta asserção pode colocar-nos perante um curioso dilema: será que a aparência pode ser identificável com a realidade, ou melhor dizendo, a aparência dirá bastante sobre a realidade?


Na minha opinião sim, esta identificação, ou mesmo em alguns casos, fusão, acontece de facto. Vejamos um caso, uma pessoa que pretende aparentar um determinado comportamento acaba por demonstrar que há algo que move essa determinada aparência, ou seja, a aparência acaba por levantar o véu da realidade. Todavia atenda-se que estou a usar o conceito como oposição à aparência, ou seja, lato sensu, obliterando a importante distinção entre o “númeno” absoluto que é a realidade e o “fenómeno” real de cada um de nós.


Voltando à circunstância inicial, podemos dizer que nos conhecemos realmente ou que conhecemos outra pessoa? Esta resposta exigirá pouco esforço visto que é facilmente apreensível que não nos podemos conhecer totalmente e muito menos o outro ( ou poder-se-á dizer que às vezes se passa o contrário, conhecemos melhor o outro que nós mesmos, por medo, por suposta “falta de tempo”, por capricho, por acharmos que tudo está bem...). Contudo, outra questão diferente é o que somos nós, de que somos constituídos, quem é a nossa pessoa? Segundo a definição dada anteriormente Pessoa equivaleria a uma máscara, contudo a Pessoa será, de facto, uma máscara? Seremos nós uma máscara? Máscara que tapa o quê?
Na verdade, somos também uma máscara na nossa vida social, aliás podemos quase dizer que não somos só uma máscara, mas sim temos um manancial delas. Todavia, a questão que se segue é se essas máscaras serão aparência duma personalidade, ou farão parte dessa personalidade. No meu ver fazem parte da personalidade, na medida que a própria utilização dessa máscara denota algo da nossa própria personalidade. E o que se esconde por debaixo da máscara será a personalidade autêntica? Não creio que se possa falar dum maior ou menor grau de autenticidade, mas antes duma maior ou menor profundidade, se bem que a própria utilização de máscaras pode denotar alguma característica mais profunda e íntima da nossa personalidade. Tudo se funde, tudo se confunde e mescla no que chamamos pessoa e personalidade. Portanto, no que me diz respeito, quando falamos em pessoa falamos em máscaras que, na verdade, não são máscaras mas camadas do que somos. Ou como muito inocentemente e ingenuamente diz o Shrek no primeiro filme, as pessoas podem ser equivalentes às camadas de cebola e, por vezes, cheiram mal como o burro alegou quando o monstro verde lhe apresentou essa analogia.


Mas por muito filosoficamente, psicologicamente que se possa analisar a questão, a descoberta da nossa “pessoa” e da “pessoa” dos outros, tem de partir do nosso próprio atrevimento de empreender tal aventura. Com efeito, vejamos em nós um apanhador de frutos duma árvore bastante alta, em que para apanhar certos frutos temos de recorrer a um escadote ou até mesmo a outras artimanhas. No fundo, é nisso que consiste o desbravar do conhecimento da nossa essência e da essência dos outros. Ou, tendo como base a citação da letra dos Placebo, temos que subir a parede de nós e dos outros, deixar cair clichés, ditos e ideias preconcebidas e mãos à obra porque trepar uma parede, por muito fácil que possa parecer, pode-se tornar uma árdua tarefa! Será isto fácil? Não, nada é fácil no relacionamento humano, mas... Mãos à obra!

1 de Janeiro de 2005






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Não sei rimar...

Não sei rimar…
É uma constatação dum não-poeta,
Mas
Sou um não-poeta forçosamente poeta…

Forçosamente?!

Sim, sou uma escrava da escrita
Não consigo resistir a este apelo

Mas

Não sei rimar…

E, neste momento, pergunto a mim mesma:
Qual a razão de tal ignorância?

Não sei rimar porque,
Na minha vida nada rima!
Se rimasse não teria sentido,
Tudo bateria certo e o sentido perder-se-ia…
Rimas perfeitas? Rimas tolas! Rimas mentirosas!
A poesia é o grito da alma!
Como pode a alma gritar com rima,
Quando o grito é confuso?

Blasfémia? Talvez…
Antes blasfemar que mentir ao papel,
Que mentir ao grito da minha alma!

Contudo,
Não sei rimar,
É uma constatação dum não-poeta!

21 de Julho de 2005



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E um ciclo esta semana se fechou...

"And you bleed just to know you're alive...."

sábado, 19 de maio de 2007

Black Coffee


Um grupo muito heterogéneo senta-se frente-a-frente numa mesa recostada em confortáveis sofás e em cadeiras que empurram os troncos humanos para a mesa das palavras jogadas por entre diálogos entrecruzados!

Nessa madrugada, a maior parte da cidade adormece e dorme, sob um ar quente tropical… as janelas estão abertas, e o luar invade as divisões das casas…

E sem ninguém saber porquê, sem ninguém ter pressionado nenhum botão, sem ninguém ter forçado nada, os lábios mexem-se, os olhares trocam-se, os gestos acompanham os raciocínios, por vezes já turvos pelo adiantado da hora, e fala-se, fala-se, fala-se…

Um grupo de alguns conhecidos e alguns desconhecidos, que a conversa aconchega (trocando as voltas ao destino dos corredores da faculdade e do ritmo das aulas que tanto pode afastar!) discursa afincadamente sobre o tudo e o nada, sobre temas que nos interessam, e que de fúteis nada têm. As relações humanas são ali dissecadas com um bisturi filosófico e sociológico, as políticas de um passado e de um futuro são analisadas de diferentes perspectivas, a arte, o cinema, a literatura são temas recorrentes…

Ultra-romantismo, romantismo, Feminismo…
Amor, sedução, paixão, obsessão, feronomas, cabelo..
Hitler, Estaline, Lenine, Mussolini, JS (tinha de se falar na JS e nos formulários…)
Vivências, experiências, reais e realidades…
…. E tantas temas que a noite faz esquecer, mas que afagaram um coração deliciado…

Soube tão bem limpar a mente com uma tertúlia improvisada e tão gostosa! Num Café Negro, durante um par de horas e à porta dele outro par, em que nem o frio demoveu aquele grupo, em que se continuaria a conversar pela madrugada fora, até que as luzes da Câmara Municipal dessem lugar às tímidas luzes do nascer do dia…

E ninguém tinha um olhar enevoado (!), antes tinham um olhar sincero, brilhante, diferente, acutilante, discursivo e enternecedor… Aconchegante e feliz!

Quero outro café negro, se faz favor!

(E fazem tanta falta estas conversas….)

Obrigada a todos vocês (e vocês sabem quem são)

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sábado, 12 de maio de 2007

www.fotolog.com/dos_dois



Para Ti D.:



Burburinho do que sou,
Respiga em mim com uma leve brisa à beira-rio
Sinto um frio que me acolhe
Que me enternece
Que aumenta em mim a paixão de ser…

Ser a imensidão da calma,
Ser a imensidão de uma alma,
Que só mínima pode desejar ser…

Parcos raios dourados enternecem uma parca luminosidade
Da face de um ser
De um ser que almeja voar…
De um ser cujo infinito não é mais do que um horizonte
Trémulo, nebuloso…

Magnífica Cidade do Porto
Magnífico D’Ouro que engalanas todos os momentos
Da vida do meu ser…

Ter o privilégio de me estarrecer perante tal calma
É poder saber o que é saber viver!

Ponte magnífica, majestosa, que me mostras que a vida
Tem 2 direcções e vários sentidos…
Que me mostra que o mais curvilíneo
Se pode enquadrar com o puro rectilíneo!

Imponente ponte que une e desune
Que aproxima beijos e aprochega adeus
Encontro, desencontro, assim como o ser da vida…

Obrigada, meu Porto…





(O tempo é escasso, a nortada é fria, a mochila não dá jeito para rodopiar no ar, o eléctrico pode sim atropelar, e a ponte lá ao fundo, junto ao Siza Vieira… O Vegeta é complexo… fusão de personalidades fortes e contraditórias, quem as não tem?)












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sexta-feira, 11 de maio de 2007

E se....

... os "ses" deixassem de ser "ses"?