Estava grávida! Era um milagre que lhe tinha sido negado pela ciência após um aborto passado (espontâneo ou provocado, não se sabe), como se o seu corpo negasse a divisão, e a culpasse por esse acontecimento. Não esperava poder jamais ter essa alegria, poder tocar a sua barriga e sentir um ser pequenino a crescer dentro dela, ter de o proteger do mundo cá de fora, cantar para ele, embalá-lo com histórias belas, empaturrá-lo de mimos. Tinha sido mãe jovem, e agora adulta encorpada, sem poder sequer ter ambições, tinha ganho o privilégio de poder voltar a ser mãe! Era um milagre, um presente divino que a fez sorrir para o mundo e pelo qual estava a disposta a lutar contra todos e contra tudo! Não abdicaria dele…
A descoberta deste presente foi pessoal, num quartinho pintado de cor de rosa pelos seus sonhos, em que bailavam sorrisos, olhos lacrimejantes, roupinhas pequeninas e tão bonitinhas, berços, papas, guizos, escola, faculdade… Tudo ela tinha construído naquele momento, em que o seu coração cresceu, em que o mundo lhe pareceu definitivamente um sítio de esperança, onde tanto podia (ainda) fazer! Ergueu-se gigante, decidida! Mas…
O seu companheiro não aceitava a criança, atirou-lhe à mente a culpabilidade do suposto não poder engravidar! Aquela criança tão inesperada e, por isso, tão mais desejada, era um entrave, um obstáculo, um infortúnio, um azar, fruto de uma mentira médica! Não, não queria e não assumia a criança! Não a queria, como se ela fosse um objecto que facilmente se pode deitar ao lixo! Empalideceu, sentiu-se enfraquecer, teve medo, pelo seu bebé, seu só seu, naquele momento. Apertou forte o seu seio e, naquele momento, prometeu solenemente protegê-lo! Serás feliz, serás amado!
Largou o emprego onde trabalhava há 10 anos, e onde estava constantemente com o seu “companheiro”. Saiu de “sua” casa. Largou uma relação. Largou a sua terra. Partiu, buscando conforto na casa de sua filha, mãe também jovem, casada com os seus juvenis 19 anos. Foi recebida de braços abertos, seria uma companhia para a filha e, junto ao neto, esperaria, descansadamente, afastada da maldade, o seu filho-milagre. Não parava de sorrir, tirava muitas fotografias para lembrar este momento. Tinha todos os cuidados e mais alguns, como se de um copo de cristal frágil se tratasse. Escrupulosamente seguia todas as prescrições médicas.
Estava muito grávida, orgulhosamente pensava! Teve de se dirigir ao centro médico para uma ecografia. Como adorava estes momentos, em que via o seu bebé, o seu pequenino rebento, em que se embevecia pelo pulsar do seu coraçaozinho. E como se abrilhantaram os seus olhos quando o médico lhe disse que tudo estava bem, que podia ir descansada e passear pela cidade como tanto gostava de fazer depois destas visitas periódicas. Costumava sentar-se nos jardins, ver as pessoas passaram, olhar para os pais com as suas crianças, falar com as pessoas que a cumprimentavam e lhe perguntavam como estava a correr! Tinha rejuvenescido tanto! Sentia-se revigorada! Sentia que o mundo era novo! Sentia que estava a virar a página! E nesses momentos respirava fundo, muito fundo e depois, já tarde, ia para o seu lar…
Nesse dia, dirigia-se para a cidade, a pé, na berma da estrada, com os seus olhinhos a brilhar, com uma barriga pesada, mas que lhe tinha tornado tão leve a sua mente. Era uma recta no meio duma localidade, onde os carros passavam calmamente, adormecidos por uma tarde quente. Ia com cuidado, afastada do asfalto, como podia e devia. E…
Um carro, a grande velocidade, entontecido pela bebida, embate nela, fustiga-a, empurra-a e ela sente que já não pode proteger o seu bebé, o seu amado bebé! Sente o sangue, toca na barriga, cai em cima dela, como tentando protegê-la pela última vez. Sente-se morrer e sente morrer o que mais tinha querido nestes últimos tempos. Sente que a esperança morreu. Sente que o virar da página é a morte…
Uma senhora pára o seu carro! Foi lá atrás ultrapassada por aquele carro e viu o ziguezaguear mortal daquele carro e a fugida do mesmo para o horizonte! Felizmente tinha consigo o telemóvel, pediu socorro, mas só via sangue, e sentia uma revolta imensa, acentuada pela dor de também ser mãe.
A filha foi avisada por vizinhos. Correu para o hospital. Sucumbiu perante a morte da mãe, mas o agora seu bebé tinha sobrevivido! O milagre milagrosamente tinha sobrevivido! E ela trataria dele como seu filho e seria tão acarinhado, quanto foi amado na barriga da sua mamã assassinada. Contudo…
O bebé só sobreviveu um dia, a filha voltou a sucumbir, o seu coração rompeu-se em lágrimas…
A implacabilidade desta morte insensível, da qual a mãe tentou tanto salvar o seu bebezinho, conseguiu derrotá-la! Escarneceu dela, deu esperança à sua filha de ao menos ficar com o seu rebento-irmão! Ao tentar salvá-lo(s), jazeu morta num asfalto quente e respirou o pó da terra… O seu bebé não resistiu, quiçá não conseguiu conceber a sua vida sem o ente que mais o desejou…
A morte escreve “certo” por linhas tortas! Um trajecto enviesado matou um sonho e fechou um livro que tinha tanto para dar…
E faltavam 10 dias para dar à luz!
(Este texto é baseado nos depoimentos da filha e da senhora que socorreu a mãe grávida e que foi atropelada na berma da estrada por um condutor a alta velocidade, em 12 de Abril deste ano, em Almancil, prestados no programa “As tardes da Júlia”, no dia 29 de Maio).
A descoberta deste presente foi pessoal, num quartinho pintado de cor de rosa pelos seus sonhos, em que bailavam sorrisos, olhos lacrimejantes, roupinhas pequeninas e tão bonitinhas, berços, papas, guizos, escola, faculdade… Tudo ela tinha construído naquele momento, em que o seu coração cresceu, em que o mundo lhe pareceu definitivamente um sítio de esperança, onde tanto podia (ainda) fazer! Ergueu-se gigante, decidida! Mas…
O seu companheiro não aceitava a criança, atirou-lhe à mente a culpabilidade do suposto não poder engravidar! Aquela criança tão inesperada e, por isso, tão mais desejada, era um entrave, um obstáculo, um infortúnio, um azar, fruto de uma mentira médica! Não, não queria e não assumia a criança! Não a queria, como se ela fosse um objecto que facilmente se pode deitar ao lixo! Empalideceu, sentiu-se enfraquecer, teve medo, pelo seu bebé, seu só seu, naquele momento. Apertou forte o seu seio e, naquele momento, prometeu solenemente protegê-lo! Serás feliz, serás amado!
Largou o emprego onde trabalhava há 10 anos, e onde estava constantemente com o seu “companheiro”. Saiu de “sua” casa. Largou uma relação. Largou a sua terra. Partiu, buscando conforto na casa de sua filha, mãe também jovem, casada com os seus juvenis 19 anos. Foi recebida de braços abertos, seria uma companhia para a filha e, junto ao neto, esperaria, descansadamente, afastada da maldade, o seu filho-milagre. Não parava de sorrir, tirava muitas fotografias para lembrar este momento. Tinha todos os cuidados e mais alguns, como se de um copo de cristal frágil se tratasse. Escrupulosamente seguia todas as prescrições médicas.
Estava muito grávida, orgulhosamente pensava! Teve de se dirigir ao centro médico para uma ecografia. Como adorava estes momentos, em que via o seu bebé, o seu pequenino rebento, em que se embevecia pelo pulsar do seu coraçaozinho. E como se abrilhantaram os seus olhos quando o médico lhe disse que tudo estava bem, que podia ir descansada e passear pela cidade como tanto gostava de fazer depois destas visitas periódicas. Costumava sentar-se nos jardins, ver as pessoas passaram, olhar para os pais com as suas crianças, falar com as pessoas que a cumprimentavam e lhe perguntavam como estava a correr! Tinha rejuvenescido tanto! Sentia-se revigorada! Sentia que o mundo era novo! Sentia que estava a virar a página! E nesses momentos respirava fundo, muito fundo e depois, já tarde, ia para o seu lar…
Nesse dia, dirigia-se para a cidade, a pé, na berma da estrada, com os seus olhinhos a brilhar, com uma barriga pesada, mas que lhe tinha tornado tão leve a sua mente. Era uma recta no meio duma localidade, onde os carros passavam calmamente, adormecidos por uma tarde quente. Ia com cuidado, afastada do asfalto, como podia e devia. E…
Um carro, a grande velocidade, entontecido pela bebida, embate nela, fustiga-a, empurra-a e ela sente que já não pode proteger o seu bebé, o seu amado bebé! Sente o sangue, toca na barriga, cai em cima dela, como tentando protegê-la pela última vez. Sente-se morrer e sente morrer o que mais tinha querido nestes últimos tempos. Sente que a esperança morreu. Sente que o virar da página é a morte…
Uma senhora pára o seu carro! Foi lá atrás ultrapassada por aquele carro e viu o ziguezaguear mortal daquele carro e a fugida do mesmo para o horizonte! Felizmente tinha consigo o telemóvel, pediu socorro, mas só via sangue, e sentia uma revolta imensa, acentuada pela dor de também ser mãe.
A filha foi avisada por vizinhos. Correu para o hospital. Sucumbiu perante a morte da mãe, mas o agora seu bebé tinha sobrevivido! O milagre milagrosamente tinha sobrevivido! E ela trataria dele como seu filho e seria tão acarinhado, quanto foi amado na barriga da sua mamã assassinada. Contudo…
O bebé só sobreviveu um dia, a filha voltou a sucumbir, o seu coração rompeu-se em lágrimas…
A implacabilidade desta morte insensível, da qual a mãe tentou tanto salvar o seu bebezinho, conseguiu derrotá-la! Escarneceu dela, deu esperança à sua filha de ao menos ficar com o seu rebento-irmão! Ao tentar salvá-lo(s), jazeu morta num asfalto quente e respirou o pó da terra… O seu bebé não resistiu, quiçá não conseguiu conceber a sua vida sem o ente que mais o desejou…
A morte escreve “certo” por linhas tortas! Um trajecto enviesado matou um sonho e fechou um livro que tinha tanto para dar…
E faltavam 10 dias para dar à luz!
(Este texto é baseado nos depoimentos da filha e da senhora que socorreu a mãe grávida e que foi atropelada na berma da estrada por um condutor a alta velocidade, em 12 de Abril deste ano, em Almancil, prestados no programa “As tardes da Júlia”, no dia 29 de Maio).