domingo, 27 de maio de 2007

Memórias... O olhar...

Comecei a manhã a escrevinhar memórias...
Essas memórias conduziram-me à estante do escritório e obrigaram-me a retirar uma prenda do ano passado, que guardo com muito carinho: Fernando Pessoa - Poesia: 1902-1917, da Assírio & Alvim ! Comecei a folhear, a folhear, a ler, a ler, procurando um poema escrito neste dia 27 de Maio, mas não encontrei... Todavia, houve um que gostei particularmente e que ainda não tinha lido. Na sequência do post Black Coffee, acho que se entende ( "E ninguém tinha um olhar enevoado"):

DEIXA que o meu olhar desça
Ao fundo da tua alma;
Que olhando-te, te conheça
E saiba o que há sob a calma
Do teu ser visto tão suave
Como o voar de uma ave.

Deixa que eu olhe os teus olhos
E os fite até os não ver
Mas só perceber
Uma alma à vista nascer
E eu ver-te os sentimentos
Nos meus atentos.

21-8-1910



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E há olhares em que apetece mergulhar, nadar a até afogar.... E perder o norte, num sentido encontrado... Por que hesitamos?

2 comentários:

Gustavo Santos disse...

O olhar, fundamental ao Homem, permite não só a visão para o exterior do mundo como para o interior da alma. Nele se encontra a autenticidade sem máscaras.

"O meu Olhar"

O meu olhar azul como o céu
É calmo como a água ao sol.
É assim, azul e calmo,
Porque não interroga nem se espanta ...
Se eu interrogasse e me espantasse
Não nasciam flores novas nos prados
Nem mudaria qualquer cousa no sol de modo a ele ficar mais belo...
(Mesmo se nascessem flores novas no prado
E se o sol mudasse para mais belo,
Eu sentiria menos flores no prado
E achava mais feio o sol ...
Porque tudo é como é e assim é que é,
E eu aceito, e nem agradeço,
Para não parecer que penso nisso...)

- Alberto Caeiro, 23º poema da obra "O Guardador de Rebanhos"

S. disse...

De repente, lembrei-me. Do olhar calado, jorrando os pensamentos que os anos foram coleccionando. Lembrei-me do fumo impregnando-me os cabelos, entrecruzando aquele olhar parado, remexendo histórias antigas. De repente, voltei à rua vazia, à madrugada vadia. Foi de repente. E voltou aquela sensação inebriante de descobrir o arco-íris ao virar da esquina. Lembrei-me da tertúlia improvisada e da força que tem um olhar mais ao menos anónimo quando decide falar.

E de repente apeteceu-me fumar esse olhar, com um café a acompanhar.