sábado, 26 de maio de 2007

A Pessoa, Máscaras e as cebolas do Shrek…




“Careful not to fall, I have to climb your wall [...]”
Placebo



A etimologia diz, de facto, bastante sobre a essência das coisas. Na verdade, é uma forma de obter um conhecimento mais hermenêutico sobre algo. Veja-se como exemplo a etimologia do vocábulo pessoa: segundo Cabral de Moncada, pessoa (persona), significaria a máscara ou caraça que os actores punham na cara em cena para disfarçarem a voz (personare). Com efeito, no âmbito do Direito Romano só a alguns homens era concedida a máscara, ou seja, só alguns eram personagens ou pessoas, exemplificando, os escravos estavam privados de personalidade.

De facto, quem somos nós? Quem é o reflexo do espelho? E quem é a pessoa da nossa fotografia de passe? Uma situação sintomática desta dúvida encontramos numa cena cortada do filme Residência Espanhola, em que Xavier tira umas fotos de passe numa máquina instantânea e perante o resultado final não acha que seja nenhuma daquelas “pessoas”.
Poderemos alegar que a foto é a aparência do nosso ser, mas, nós não nos devíamos ver sem aparência, ou seja, não nos devíamos identificar automaticamente? Contudo, o que realmente acontece é que nunca nos identificamos automaticamente. E isto por que razão? Porque a ideia que nós temos de nós é distorcida por essa própria ideia que temos de nós, pelo que nós aparentamos a nós próprios. Esta asserção pode colocar-nos perante um curioso dilema: será que a aparência pode ser identificável com a realidade, ou melhor dizendo, a aparência dirá bastante sobre a realidade?


Na minha opinião sim, esta identificação, ou mesmo em alguns casos, fusão, acontece de facto. Vejamos um caso, uma pessoa que pretende aparentar um determinado comportamento acaba por demonstrar que há algo que move essa determinada aparência, ou seja, a aparência acaba por levantar o véu da realidade. Todavia atenda-se que estou a usar o conceito como oposição à aparência, ou seja, lato sensu, obliterando a importante distinção entre o “númeno” absoluto que é a realidade e o “fenómeno” real de cada um de nós.


Voltando à circunstância inicial, podemos dizer que nos conhecemos realmente ou que conhecemos outra pessoa? Esta resposta exigirá pouco esforço visto que é facilmente apreensível que não nos podemos conhecer totalmente e muito menos o outro ( ou poder-se-á dizer que às vezes se passa o contrário, conhecemos melhor o outro que nós mesmos, por medo, por suposta “falta de tempo”, por capricho, por acharmos que tudo está bem...). Contudo, outra questão diferente é o que somos nós, de que somos constituídos, quem é a nossa pessoa? Segundo a definição dada anteriormente Pessoa equivaleria a uma máscara, contudo a Pessoa será, de facto, uma máscara? Seremos nós uma máscara? Máscara que tapa o quê?
Na verdade, somos também uma máscara na nossa vida social, aliás podemos quase dizer que não somos só uma máscara, mas sim temos um manancial delas. Todavia, a questão que se segue é se essas máscaras serão aparência duma personalidade, ou farão parte dessa personalidade. No meu ver fazem parte da personalidade, na medida que a própria utilização dessa máscara denota algo da nossa própria personalidade. E o que se esconde por debaixo da máscara será a personalidade autêntica? Não creio que se possa falar dum maior ou menor grau de autenticidade, mas antes duma maior ou menor profundidade, se bem que a própria utilização de máscaras pode denotar alguma característica mais profunda e íntima da nossa personalidade. Tudo se funde, tudo se confunde e mescla no que chamamos pessoa e personalidade. Portanto, no que me diz respeito, quando falamos em pessoa falamos em máscaras que, na verdade, não são máscaras mas camadas do que somos. Ou como muito inocentemente e ingenuamente diz o Shrek no primeiro filme, as pessoas podem ser equivalentes às camadas de cebola e, por vezes, cheiram mal como o burro alegou quando o monstro verde lhe apresentou essa analogia.


Mas por muito filosoficamente, psicologicamente que se possa analisar a questão, a descoberta da nossa “pessoa” e da “pessoa” dos outros, tem de partir do nosso próprio atrevimento de empreender tal aventura. Com efeito, vejamos em nós um apanhador de frutos duma árvore bastante alta, em que para apanhar certos frutos temos de recorrer a um escadote ou até mesmo a outras artimanhas. No fundo, é nisso que consiste o desbravar do conhecimento da nossa essência e da essência dos outros. Ou, tendo como base a citação da letra dos Placebo, temos que subir a parede de nós e dos outros, deixar cair clichés, ditos e ideias preconcebidas e mãos à obra porque trepar uma parede, por muito fácil que possa parecer, pode-se tornar uma árdua tarefa! Será isto fácil? Não, nada é fácil no relacionamento humano, mas... Mãos à obra!

1 de Janeiro de 2005






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